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Dez Escritoras Brasileiras que Entraram para a História da Literatura Nacional. | Classe Literária

Foto do escritor: Classe LiteráriaClasse Literária

Você conhece alguma figura histórica da nossa literatura? Vejamos, mentalmente você pode citar grandes nomes como Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade. Mas e quanto às senhoras que ganharam notoriedade como escritoras? Se você tem dificuldade em listar mais de dois nomes, o Classe Literária está aqui pra te ajudar a conhecer as histórias de algumas das damas da literatura nacional.


Esta lista não possui uma ordem criteriosa, a numeração é apenas para orientação.


10 – A doceira, Cora Coralina.

Cora Coralina (1889-1985)

Ana Lins dos Guimarães Peixoto (1889-1985) adotou o pseudônimo de “Cora” aos 15 anos de idade pelo nome derivar de coração, e adicionara “Coralina” algum tempo depois pela sonoridade. A veterana poetisa encabeça nossa lista de grandes escritoras nacionais.

Cora nasceu às margens do Rio Vermelho na Cidade de Goiás, a casa em que fora concebida é especulada como uma das primeiras da região, a ainda jovem vilaboense começou sua carreira na publicação de textos com o conto Tragédia na Roça, publicado quando tinha apenas 14 anos. Cora Coralina viveu quase um século e sua história é paralela a grandes acontecimentos da história do Brasil e deles sofre certa influência. Após muitos ocorridos de sua vida e a escritora se tornar viúva e voltar para sua cidade de origem, Cora Coralina começa sua carreira como doceira. E no espaço entre a panela quente e as viagens de sua alma, Aninha, como era conhecida, escrevia.

Cora publicou seu primeiro livro aos 75 anos e dali ascendeu para o mundo como grande nome da poesia moderna, em vida recebeu os títulos de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal de Goiás, vencedora do concurso Intelectual do Ano do Troféu Juca Pato, tornando-se a primeira mulher a receber tal honraria e em 1984, foi eleita Símbolo da Mulher Trabalhadora Rural pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).

“Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos.” - Cora Coralina (1889-1985)

Destaca-se e recomendamos sua obra: Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais (1965)


9 – A primeira, Rachel de Queiroz.


Rachel de Queiroz (1910-2003)

O primeiro nome feminino a integrar a Academia Brasileira de Letras é o nome de Rachel de Queiroz, nona integrante da nossa lista de grandes autoras da história da literatura brasileira. Rachel nasceu no dia 17 de novembro de 1910 em Fortaleza (CE), destaca-se um fato curioso de sua antecedência vir de um nome já conhecido das bibliotecas nacionais, o do célebre José de Alencar. Formada aos 15 anos de idade, pelo Colégio da Imaculada Conceição, A filha de Daniel de Queirós publicou sua primeira obra, O Quinze, aos 19 anos de idade e ali iniciara sua carreira literária com o pseudônimo de Rita de Queirós. Após grande repercussão entre as grandes cidades do Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo, Rachel ganhou notoriedade com a obra ao vencer o prêmio Fundação Graça Aranha. E esse seria o primeiro de muitos que iriam acompanhá-la ao longo de sua trajetória na história da escrita do Brasil, após alcançar destaque e consagração por suas obras, já não mais como Rita, Rachel desenhou uma carreira exemplar no campo acadêmico e produziu outras estórias que tramitaram com a bandeira do Brasil na hora de representar a nação Tupiniquim. Vale mencionar uma questão delicada na vida da escritora, que é a imagem relativamente controversa que ela possui. Rachel foi duramente criticada pelo meio acadêmico e jornalístico de sua época após o encerramento do período de regime militar no Brasil pois a nordestina se mostrou, anterior ao golpe de 1964, duramente a favor da tomada do poder executivo pela instituição militar e após o empossamento do ex-presidente Castelo Branco, o qual era amigo íntimo da família de Rachel, foi declaradamente a favor do período de ditadura.

A escritora abriu diversas portas como mulher na vitória de muitas conquistas e honrarias. Destacam-se algumas como o título de Doutor Honoris Causa pelas universidades estaduais do Ceará, Vale do Acaraú e Rio de Janeiro e a federal do Ceará, o primeiro prêmio de Camões para uma mulher como também a posse da cadeira 5 da Academia Brasileira de Letras, o Prêmio Machado de Assis da ABL e o Prêmio da Literatura de Brasília pelo conjunto da obra. Vale destacar a atuação de Rachel como delegada do Brasil na 21ª Sessão da Assembleia Geral da ONU e como tradutora de mais de 30 obras literárias.


“A vida eu acho que ensina surrando... ” - Rachel de Queiroz (1910-2003)

Destaca-se e recomendamos sua obra: O Quinze (1930)


8 – A favelada, Carolina Maria de Jesus.

Carolina Maria de Jesus protagoniza o oitavo nome de nossa lista e é sem dúvidas um dos mais importantes e emblemáticos que serão aqui apresentados. Nascida em Sacramento (MG) no dia 14 de março de 1914, Carolina era filha de migrantes da região que nela chegaram devido às novas atividades pecuárias que estariam se configurando ali, e esta seria uma das muitas influências que o contexto histórico exerceria sobre a vida da escritora. Em 1923, o Colégio Allan Kardec, que era a primeira escola espírita do Brasil, por seu viés sem fins lucrativos e por se manter com o auxílio de pessoas importantes da sociedade, forneceria à jovem Carolina dois curtos anos de estudo. Com o passar do tempo, todo o país estava ciente dos avanços que as cidades, especialmente a de São Paulo, estavam sofrendo e a modernização de suas vielas. Agora com 23 anos de idade e já não sendo sustentada pela senhora a qual sua mãe era lavadeira já que sua progenitora havia falecido, a mineira partiu para SP em busca de conseguir viver num lugar onde negros e pobres conseguiriam estar perto das altas camadas da sociedade e das oportunidades de emprego: as favelas.

Carolina Maria de Jesus (1914-1977)

Carolina chegou à metrópole e com suas próprias mãos construiu sua casa com o material que recolhia nas ruas como papelão, madeira velha e tijolos quebrados. Em 1947 a jovem de 33 anos se mudara para o lugar que a ocasionaria conhecer sua mudança de vida. Ao chegar à favela do Canindé, ela conseguiu um emprego no hospital de um dos percursores da cirurgia de coração no Brasil, o doutor Euryclides de Jesus Zerbini. Aos dias de folga, Carolina tinha a permissão de ter acesso à biblioteca do cardiologista e dela tinha muito gosto do usufruto, a leitura aprimorou seu repertório que há muito tempo havia sendo desenvolvido por ela que desde muito nova lia tudo que podia e tinha muito gosto pela escrita. Em 1960 quando presenciou, enquanto recolhia material reciclável da rua, alguns homens destruindo brinquedos de uma praça pública, a mulher ameaçou denunciá-los. Ao presenciar de longe a cena, o jornalista Audálio Dantas iniciou um diálogo com Carolina e começou a observar que consigo a mulher carregava inúmeros cadernos e folhas escritos. Ao começar a conversar com aquela mulher que normalmente passaria despercebida, o jornalista percebeu que o conteúdo daqueles cadernos era mais importante do que parecia.

Quarto de Despejo: Diário de uma favelada (1960)

Em 1960 o livro Quarto de despejo: Diário de uma favelada foi publicado, apresentando Carolina ao mundo como uma escritora brilhante e consagrando-a como futuramente uma das mais importantes do Brasil. O livro foi traduzido para 14 idiomas e difundido mundo afora vendendo mais de 300 mil exemplares nos Estados Unidos apenas em sua primeira publicação. Carolina não usufruiu muito os frutos de seu sucesso devido a sofrer com a ganância daqueles que fizeram de seus relatos uma fonte de renda pessoal. Mas ela conseguiu sair da miséria na qual vivia e terminou seus dias num sítio onde lá escrevia, plantava hortaliças e esperava seus filhos voltarem da escola e do trabalho. Carolina ganhou uma biblioteca em sua homenagem no Museu Afro-Brasil em São Paulo, suas obras póstumas continuam a ser estudadas e divulgadas e a escritora continua sendo alvo de pesquisas e levantando debates nas instituições acadêmicas de todo o mundo. Carolina é uma das mais poderosas vozes da escrita do eu no Brasil e é uma das maiores figuras de nossa história, sua memória vive e viverá para sempre.

“Escrevo a miséria e a vida infausta dos favelados. Eu era revoltada, não acreditava em ninguém. Odiava os políticos e os patrões, porque meu sonho era escrever e o pobre não pode ter ideal nobre. Eu sabia que iria angariar inimigos, porque ninguém está habituado a esse tipo de literatura. Seja o que Deus quiser. Eu escrevi a realidade.” - Carolina Maria de Jesus (1914-1977)

Destaca-se e recomendamos sua obra: Quarto de despejo: Diário de uma favelada (1960)


7 – A dama, Lygia Fagundes Telles.

Outra veterana da máquina de escrever é Lygia Fagundes da Silva Telles, ela é conhecida no meio acadêmico como “a dama da literatura brasileira” e considerada a maior escritora viva do Brasil e é o sétimo nome da nossa lista de grandes escritoras. Nascida em São Paulo, a autora teve uma boa trajetória de vida nas questões financeiras que a poderiam influenciar. Estudou em um colégio financiado pelo seu próprio pai e tinha grande influência da mãe, que era pianista, na educação dentro do lar. Lygia publicou sua primeira obra em 1938, intitulada Porão e sobrado (1938), e por ela teve um considerável retorno da crítica de sua época e da avaliação popular, o sucesso se estendeu a outras publicações de Lygia e ao terminar a faculdade de direito em 1946, a jovem passou a se dedicar apenas aos livros e produzir escrita. A escritora se aproximou de grandes letrados de sua época e suas publicações lhe trouxeram notoriedade e grandes condecorações.

A partir de 1970, Lygia passa a se consagrar internacionalmente como um grande nome da literatura e entre seus colegas escritores como o célebre Carlos Drummond de Andrade e a poetisa Hilda Hilst, a quem foi grande amiga. A escritora em 1982 passa a ocupar a cadeira 16 da Academia Brasileira de Letras (ABL) e tem seu legado vivo em tantos outros prêmios como a mais alta honraria a um escritor da língua portuguesa: o prêmio de Camões pelo conjunto da obra. Lygia foi traduzida para diversas línguas mundo a fora. O poeta Caio Fernando Abreu a definira como “a melhor contadora de histórias”.

As dificuldades e barreiras da vida de uma mulher estiveram presentes na obra de Lygia, tais quais suas reflexões assumidamente socialistas. A escritora é uma mente brilhante e sem dúvidas uma importantíssima voz na literatura do Brasil.

“Me leia enquanto estou quente” - Lygia Fagundes Telles (1923)

Destaca-se e recomendamos sua obra: Antes do Baile Verde (1970).


Lygia Fagundes Telles (1923)

6 – A Estrela Aldebarã, Hilda Hilst.

A poesia vem conversando intimamente com o homem através do lírico e da linguagem há muito tempo. A língua portuguesa por sua riqueza e amplitude linguísticas é muito boa em apresentar poesia ao mundo. Imagino que tamanha força poética tomou conta do brado publicado de Léo Gilson Ribeiro, Ph.D. em literatura pela universidade alemã de Heidelberg, quando exclamou em 1977: “Hilda Hillst é o maior escritor vivo em língua portuguesa”.

O nome de Hilda de Almeida Prado Hilst é o sexto a protagonizar nossa lista e é um notável para o debate sobre grandes mulheres na literatura. Filha de um fazendeiro de café e ensaísta, Hilda inicia sua vida nas letras nas academias onde estudara e tivera uma trajetória considerada genial. Em 1948 ao entrar pra faculdade de direito e começar sua amizade com sua amiga de uma vida, a já citada Lygia Fagundes Telles, Hilda começa a se movimentar para o que seria o inicio de sua carreira literária.

Seu livro de estreia, Presságio (1950), fora muito bem recebido pela crítica a ele contemporâneo, o que alavancou a escritora a continuar a escrever e publicar suas obras posteriores nos dois anos seguintes à sua estreia. Hilda é dona de uma linguagem ímpar e leva o leitor através da poesia e da ficção a lugares novos explorando conceitos femininos e esotéricos. Em 1964, Hilda Hilst pede para retornar a fazenda da mãe e ali começa a construir um espaço apenas seu, em 1966 Hilda passa a viver plenamente em sua “Casa do Sol” e ali se entrega à poesia e às viagens linguísticas. A casa do Sol serviu de abrigo a muitos artistas incluindo o poeta Caio Fernando Abreu. Hilda foi homenageada por diversas premiações incluindo o Prêmio Jabuti e findou sua vida numa madrugada de 04 de fevereiro de 2004 devido a complicações de saúde.

“Costuro o infinito sobre o peito.” - Hilda Hilst (1930-2004)

Destaca-se e recomendamos sua obra: Ficções (1977)

Hilda Hilst (1930-2004)

5 – A Poeta, Cecília Meireles.


Cecília Meireles (1901-1964)

O nome de Cecília Benevides de Carvalho Meireles é um dos mais conhecidos entre os nomes que figuraram a escrita feminina no Brasil, a autora nascida em 7 de novembro de 1901 é uma das mais notáveis poetas que já movimentaram a literatura nacional e é o quinto nome da nossa lista de grandes escritoras.

A vida de Cecília se inicia com algumas perdas, três meses antes de seu nascimento, seu pai acaba por falecer e três anos após sua concepção, sua mãe é quem parte desta vida. Cecília é criada pela última sobrevivente da família, sua avó, e uma babá atenciosa quem para ela lia contos antes de dormir. Sua vida como estudante foi a de uma boa e atenta aluna, Cecília ainda jovem se interessa por artes plásticas, música, pedagogia, e é claro, literatura. Após terminar seu percurso estudantil, Cecília decide canalizar sua vontade e paixão a uma vocação, que é a escrita. Ainda jovem, aos seus 18 anos, publica seu primeiro livro dando seus primeiros passos como a grande poeta que seria, a obra Espectros (1919) dá inicio a carreira literária de Meireles e é bem recebida por uma parte da crítica jornalística contemporânea à publicação do livro, onde um jornalista escreve com animosidade sobre conseguir ver a estreia de um talento. A autora atua posteriormente como professora e importante figura em prol da reforma educacional Escola Moderna, onde defende a educação integral, estímulo a experimentos e vertente laica de ensino.

Ao longo de sua vida, Cecília se consagrou recebendo prêmios muito importantes, sua atuação como escritora e professora levou algumas de suas obras à bibliografia trabalhada em escolas e universidades em cursos cujos estudos se voltam ao tema da educação infantil. Cecília também atuou arduamente como tradutora, traduzindo obras até de línguas pouco populares, como dialetos hindu-iranianos. Ela lutou e escreveu até o fim de sua vida, em 1964, pela educação infantil e a ela são creditadas as primeiras reivindicações sobre a existência de bibliotecas infantis. Sua importância como poeta também foi ímpar para importantes movimentos literários como o simbolismo. Vale destacar também sua atuação no exterior como professora e palestrante importante na difusão e reconhecimento da literatura de língua portuguesa mundo a fora. Cecília recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Delhi (Índia) e o prêmio Jabuti de poesia pelo livro Solombra (1964) e o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras pelo conjunto da obra.

“Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.” - Cecília Meireles (1901-1964)

Destaca-se e recomendamos sua obra: Solombra (1964)



4 – A marginal, Ana Cristina Cesar.

As adversidades da vida formam pessoas e ideais poderosos, como vimos na nossa lista, a desigualdade pode construir uma poderosa voz de fala como a de Carolina de Jesus, já aqui citada, ou dramas como as guerras podem trazer para a nossas terras mentes inquietas como a da genial Clarice Lispector, que citaremos mais a frente. Em 1964 o golpe militar marcaria para sempre a história do Brasil, e das inúmeras desventuras causadas por essa fase da história, a literatura reagiu dando ao país um movimento poderoso e sincero cujo uma das principais representantes encabeça nossa quarta posição nesta lista. O Brasil sob regime militar veria o surgimento da literatura marginal ou geração mimeógrafo, e ele receberia abertamente: Ana Cristina Cruz Cesar. Filha de um sociólogo, a jovem poeta, professora, crítica e tradutora teria no princípio de sua vida boas condições financeiras para lhe proporcionar uma infância estável e feliz. Ainda muito jovem, Ana fez intercâmbio na Inglaterra e ao retornar para o Brasil com uma altíssima bagagem literária a jovem se interessou em comunicação e nesta área iria se especializar para sua tese de mestrado. Sua carreira na literatura começou em 1979 com a publicação independente de seus dois livros: Cenas de abril (1979) e Correspondência Completa (1979).


Ana Cristina Cesar (1952-1983)

Ana abre-se e passamos a conhecê-la melhor na leitura de suas obras, onde ficou conhecida pelas características relativamente biográficas. Sua leitura é pungente, capaz de comover e existe algo estético na sua linguagem. Ao lado de seus colegas de movimento, Ana prova que a poesia é algo real e tem uma verdade na sua ruptura que é visceral e muito moderna numa ótica atual.

Ana Cristina Cesar se suicidou em outubro de 1983 quando tinha apenas 31 anos de idade. Em 2016 a autora foi dignamente homenageada na Festa Literária Internacional de Paraty por sua contribuição na literatura do Brasil.

“Tenho uma vida branca e limpa à minha espera.” - Ana Cristina Cesar (1952-1983)

Destaca-se e recomendamos sua obra: A Teus Pés (1982)



3 – A fiel, Adélia Prado.

Adélia Prado (1935)

A poesia assim como qualquer sinal de vida que venha do interior do homem é repleta de diferentes vertentes e é representada muitas vezes pelo que nos move. A fé cristã e a simplicidade presentes na obra de Adélia Luzia Prado de Freitas são o foco do terceiro item da nossa lista.

Nascida em Divinópolis (MG) no dia 13 de dezembro de 1935, Adélia inicia sua vida profissional quando se torna professora em 1955, e nesta profissão atuará pelos próximos vinte e quatro anos. Adélia algum tempo depois de iniciar o magistério, se casa e dessa união resultam cinco filhos onde nesse período de tempo ela e o cônjuge iniciam o curso de filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis. Durante o curso, Adélia submete suas cartas contendo poemas e escritas ao crítico literário Affonso Romano de Sant’Anna, que envia seus recebidos de Adélia para o célebre Carlos Drummond de Andrade que por sua vez escreve a um amigo da Editora Imago pedindo que publique o livro da poetisa. Carlos Drummond de Andrade ainda vai além e escreve uma crônica no Jornal do Brasil falando sobre Adélia e sua ainda inédita obra. Com isso, em 1976 no Rio de Janeiro é lançado o livro Bagagem (1976) num evento com a presença, é claro, de Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Juscelino Kubitschek entre outros.

Ao entender o rumo de sua nova carreira, Adélia abandona a vida de professora de Filosofia e se entrega a vida de escritora integral. Adélia publicou diversos livros e atuou como diretora na primeira performance teatral de O Auto da Compadecida de Ariano Suassuna. Algum tempo depois a autora enfrentaria um severo problema de depressão que a afastaria da escrita por cinco anos, esse período é dito como “silêncio poético”, dentre as muitas escritas de Rubem Alves, o autor expressa bem essa fase em A Festa de Babette.

Adélia Prado escreveu muito sobre sua fé católica e sempre manteve nas palavras a simplicidade e visão com a qual enxergava a vida. Hoje com 84 anos é vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura (1978), o Prêmio ABL de Literatura Infantojuvenil (2007) e o prêmio Clarice Lispector (2016).

“É bom ter um corpo pra rir e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo alegre do que triste. Melhor é ser.” - Adélia Prado (1935)

Destaca-se e recomendamos sua obra: Bagagem (1976)



2 – A Mestra Régia, Maria Firmina dos Reis.

Já vimos aqui como a história do Brasil pode alterar os rumos da vida das grandes literárias que nos foram apresentadas até agora. Mas especialmente esta consegue erguer sua pessoa para além das barreiras históricas contemporâneas à sua vida, a primeira romancista do Brasil é Maria Firmina dos Reis e é o penúltimo nome da nossa lista.

A imagem apresentada é uma arte inspirada m descrições da autora.
Maria Firmina dos Reis (1822-1910)

A história da autora de Úrsula (1859) se inicia bem antes do nascimento das escritoras aqui citadas. No dia 11 de março de 1822 nascia no Maranhão a filha de uma escrava forra pelo comendador Caetano José Teixeira, porém seu batismo seria feito apenas três anos após sua concepção devido a complicações de saúde. Registrada sem o nome do pai, Maria não deixa muitos registros de sua vida para entendermos melhor sua biografia, porém sabe-se que após alguns anos ela e a família se mudaram para Viamão onde ali começou sua carreira como professora e escritora.

Após um tempo vivendo no município separado do continente por uma baía, a maranhense inicia sua busca por exercer a função de professora e nela viverá por muitos anos. Sua atuação como professora trouxe a ela reconhecimento por boa parte da população local que a tinham por uma mulher carinhosa e bondosa, diferente dos demais educadores de sua época ela não submetia os alunos a punições físicas ou psicológicas e preferia dialogar ao invés de advertir. Aposentou-se após 34 anos de magistério, mas pouco antes de abandonar a sala de aula abriu uma das primeiras escolas mistas e gratuitas do país o que acabou por despertar da mídia e da população local certa desaprovação, isso fez com que após dois anos de funcionamento a escola tivesse que fechar as portas. Maria Firmina atuou também no campo literário de sua região escrevendo folclores e crônicas para jornais, trabalhou também como musicista e compositora.

Em 1859 o mundo conheceu Úrsula (1859), seu primeiro romance, trazendo uma protagonista negra e escondendo o nome da autora por medo da mesma de sua obra sofrer o preconceito que quem a concebera sofria devido sua cor. Maria mostra aos leitores daquela região que aqueles seriam os traços da sua escrita. As características literárias e linguísticas estão justamente nesse ponto nas obras de Maria Firmina dos Reis, o convite ao leitor à vivência do negro e do escravo negro através da valorização da narrativa do mesmo. Maria era uma abolicionista totalmente diferente daqueles que já haviam sido vistos até a época, com calor e cultura ela demonstrava nas letras que escrevia a importância de uma escrita sobre escravidão e negritude que vinha de um autor cujas questões em torno do assunto circundavam efetiva e ativamente.

Maria Firmino dos Reis viveu 95 anos e morreu cega, criando os filhos de uma mulher que conhecia. É a única mulher homenageada com um busto em São Luís na praça que homenageia grandes autores. Em 2019 foi homenageada pelo Google com um doodle em homenagem ao seu 194º aniversário.

“Canta, poeta, teu cantar singelo, meigo, sereno com um riso d’anjos; Canta a natura, a primavera, as flores, canta a mulher a semelhar arcanjos. Que Deus envia à desolada terra, Bálsamo santo, que em seu seio encerra” - Maria Firmina dos Reis (1822-1910)

Destaca-se e recomendamos sua obra: Cantos à beira-mar (1888)



Navegamos aqui nas águas cujas ondas moveram a vida de grandes nomes das bibliotecas nacionais, vimos como as nossas conterrâneas foram estupendas em se apresentar ao mundo e contar vivências pessoais, alheias e estórias que ultrapassaram quaisquer limites que lhes foram impostos. Por isso preciso agradecer a você, dedicado leitor, que honra a minha escrita e as histórias dessas mulheres incríveis com a sua leitura. Enquanto existir animosidade pela aprendizagem e respeito pelos que abriram caminho ao que vivemos hoje, os nomes aqui citados jamais serão esquecidos.

Dito isso, agradeço a leitura até este momento e espero que tenha um pouco mais de atenção para a leitura do nosso último nome.



1 – A estrangeira, Clarice Lispector.

Após lermos sobre histórias de superação e ascensão, perdas e ganhos e entendermos como nossas escritoras viveram e trabalharam, conseguimos observar diversas características nos nomes aqui citados. Os radiantes versos de Adélia Prado nos diziam como quem os escrevia sentia-se diante do mundo, os contos simbólicos de vertentes ideológicas marcantes de Lygia Fagundes Telles apresentavam ao leitor os pensamentos internos da autora, a palavra em si posta por Maria Firmina dos Reis deixou explícito a todos sua comoção para com os temas que abordava. Porém a literatura pode, e vai em certos momentos, não ser tão clara quanto achávamos ou gostaríamos que fosse. A linguagem pode por muitas vezes contribuir para a falta de harmonia, fazer com que ideias se colidam e construam territórios da narrativa que entrem em contato direto com o leitor e que permitam que este seja conduzido para lugares ainda inexplorados pelo próprio texto, por quem o escreveu ou quem o estivera lendo. Observar e conhecer figuras de linguagem como metáfora, paradoxo ou hipérbole, pode nos ajudar a compreender certas ideias conflitantes, mas neste caso específico, não há o que fazer. Você precisa encher seus pulmões, se libertar de qualquer concessão e talvez ter a alma já formada para ler a maior escritora da literatura nacional: Clarice Lispector.

Clarice Lispector (1920-1977)
“Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.” - Clarice Lispector (1920-1977)

A história de Clarice se inicia no dia 10 de dezembro de 1920. A jovem Chaya Lispector nasce numa parada em uma pequena vila na Ucrânia, ainda uma província pertencente à Rússia, enquanto os pais, migrantes judeus, fogem da eminente guerra que naquela região se instalaria. Com dois meses de idade, Clarice chega ao Brasil na capital alagoana. A família Lispector ao desembarcar nas terras tupiniquins fugida de perseguições antissemitas, deveria portanto se adaptar ao seu novo lar e adotar novas identidades, assim a pequena Chaya passa a se chamar Clarice. A autora se considerava brasileira e alagoana, dizia que não pertencia a terra cujo solo seus pés sequer tocaram, ela se naturaliza brasileira crescendo no nordeste do país e vive uma vida inconstante sempre tendo que mudar-se, o que faz com que a jovem e sua família passem por delicados problemas financeiros ao longo do período de infância de Clarice. Apesar de tudo, a escritora “amadora” anos depois escreveria crônicas para o Jornal do Brasil que relatariam uma infância alegre e aventurada apesar das dificuldades. Em 1936, a estudante Clarice Lispector tem seus contatos mais intensos com a literatura e passa a intensificar sua bagagem literária ao partir para bibliotecas do Rio de Janeiro, onde agora residia ainda não como cidadã brasileira, em busca de títulos que aguçassem sua curiosidade e nisso acaba por tomar leitura de grandes nomes da literatura como Machado de Assis, Dostoiévski e romances segundo a própria, “para mocinhas”. Em 1940, a mídia nacional conhece o primeiro conto ficcional com os créditos de Clarice como autora, Triunfo contava uma história de superação e ganho de força de uma protagonista mulher. Neste mesmo ano, Clarice, que estava cursando direito na Faculdade Nacional de Direito, começa sua carreira na área jornalística da Agência Nacional.

Com ousadia e timidez, a autora de Água Viva vem publicando textos em outros meios da imprensa nacional apesar das publicações como repórter. Em 1942, o Brasil conhece o primeiro livro de Clarice Lispector, Perto do Coração Selvagem (1942). Pouco tempo após sua publicação, a escritora não consegue acompanhar a agitação que causaria, devido a seu marido, um diplomata brasileiro, levar a esposa consigo para acompanha-lo em suas viagens representativas. Pouco antes de sua partida, o presidente Getúlio Vargas assina a naturalização de Clarice como brasileira e então ela parte ao lado do marido mundo a fora.

Clarice Lispector e o filho Paulo Gurgel Valente (1960).

Em seus muitos anos fora do Brasil, Clarice concebe no exterior algumas de suas obras publicadas em terras brasileiras como O lustre (1946).

Lispector passa muitos anos fora da nação onde se naturalizou e não vê as mudanças que suas publicações causam, grandes nomes da época como Manuel Bandeira a criticam duramente enquanto o Prêmio Graça Aranha honra seu primeiro romance. Ao retornar para o Brasil em 1959, divorciada e com seus filhos, ela busca independência para o próprio sustento e o de sua prole e assim começa seu trabalho com publicações literárias. Em 1960 é publicado o clássico Laços de família (1960) que seria agraciado no mesmo ano com o Prêmio Jabuti. Clarice segue seus próximos anos publicando contos e obras que lhe deram notoriedade e certa fama como os até hoje famosos: A paixão segundo G.H. (1964) e A legião estrangeira (1964). A década seguinte seria muito importante para a autora e para o cenário da literatura brasileira, Clarice segue publicando livros, contos e crônicas para importantes meios de comunicação e passa a se tornar um nome muito presente nas discussões literárias. Livros e peças a respeito dos traços de sua obra são lançados, os grandes nomes da escrita como Caio Fernando Abreu começam a descrever a pessoa de Lispector como alguém misterioso e de certo desconforto ao conhecer, a autora passa a ser traduzida e buscada por comunidades acadêmicas e jornalísticas internacionais que querem saber um pouco mais daquela que carregava os títulos de “hermética”, “escritora desagradável” e “autora difícil”. Clarice alterou o paradigma da escrita de sua época e passou a ser referência a autoras e autores contemporâneos a ela mesma, acadêmicos estavam sempre por acompanha-la em busca de tentar entender mais seus livros para a época tão densos. Ela sempre comentou sobre sua fama com surpresa, visto que se considerava isolada quanto a seus pensamentos. Porém o tempo e a idade estavam limitando a autora cada vez mais, que já em não tão boa situação financeira começara a se impulsionar e se dedicar ao trabalho de tradutora com intuito de conseguir aumentar sua renda.

"A palavra é o meu domínio sobre o mundo." - Clarice Lispector (1920-1977)
Clarice Lispector e seu cão, "Ulisses, um pouco neurótico".
A Hora da Estrela (1977)

Em 1977 é publicado o último livro de Clarice Lispector: A Hora da Estrela, apresentando a história de uma jovem alagoana que sofre um acidente e morre após uma consulta numa cartomante do Rio de Janeiro que a descreveria a visão de um grande futuro. Clarice morre alguns meses após a publicação da obra e um dia antes de seu aniversário de 57 anos. A hora Da Estrela é a mais famosa obra da autora, o livro com mais de dez títulos está nas bibliotecas nacionais como literatura obrigatória e levanta questões até hoje.

Pessoalmente é muito mais que um desafio tentar honrar tantos nomes incríveis em poucas palavras, as vidas e obras sobre aqui escritas são muito maiores que a singeleza do meu vocabulário limitado. Clarice Lispector buscou algo maior em suas obras, foi além das camadas superficiais e estéticas que recobrem a poesia e a prosa e ousou explicitar o ambíguo das experiências. Por isso é uma obrigação pessoal permitir que ela me inspire a tentar levar as palavras até o leitor através de uma condução que não se resuma apenas ao superficial, mas que encoste na maior de todas as virtudes: a verdade.

Clarice Lispector é considerada um dos mais importantes autores do século XX e segue sendo homenageada e estudada cada vez mais pelos mais diversos campos do estudo e da arte.

No dia 10 de dezembro de 2020 é comemorado o seu centenário.


“Já que se há de escrever... que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas” - Clarice Lispector (1920-1977)

Destaca-se e recomendamos sua obra: A Hora da Estrela (1977)


O Classe Literária agradece sua leitura e esperamos ter sido uma boa experiência.

Fique atento às novas publicações e entre em contato conosco para sugestões e críticas.

Leitores do mundo, uni-vos!

 

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